Alguma memória

Aqui vão alguns registros de memória do sertão que há dentro de mim.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

O bispo


Dom Vicente de Paulo Araújo Matos foi o terceiro bispo da Diocese do Crato. Comandou o clero local de 1961 a 1992. Um homem injustiçado. Filho de família abastada de Itapajé, Dom Vicente tinha porte e beleza de galã de cinema. Ganhou o apelido cretino de ‘Dom Ratão’. Talvez pelo fato de possuir sempre o Opala Comodoro mais moderno da época e morar num Palácio Episcopal. Pura ignorância.


Foi ele quem fundou a Faculdade de Filosofia do Crato, embrião da  Universidade Regional do Cariri (URCA). Também fundou os colégios Pequeno Príncipe e Madre Ana Couto (nos quais estudei) e o Centro de Expansão (local de retiros religiosos).
No Centro de Expansão ouvi dele a seguinte lição, durante um evento religioso que reunia jovens: “Hoje se banaliza tudo. “Eu pergunto: Você gosta de pão de milho? A resposta é: A-d-o-r-o! Errado! Só se adora a Deus!”.


Reza a lenda de que seu Antônio Berrêdo, motorista do bispo era um homem, digamos, de poucas palavras e paciência. Certa vez, em viagem a Fortaleza no carrão do prelado, teria se dado o seguinte diálogo:
Bispo: “Olha o jumento”
Berrêdo: (silêncio)
Bispo: “Aquela mulher pode atravessar. Buzina.” 
Berrêdo: (silêncio)
Bispo: “Cuidado. Essa curva ai na frente é perigosa.”
Berrêdo: (silêncio)
Bispo: “Tá muito ligeiro.”
Berrêdo, parando o carro no acostamento: “Tome, senhor bispo. Leve o seu carro.”
O Bispo riu amarelo e assumiu a direção. No resto da viagem reinou silêncio sepulcral.
 
Foi Dom Vicente quem me conferiu o sacramento da Crisma, numa noite de lua, na Quadra Bi-Centenário.  Poucos dias antes, na estrada do Granjeiro onde eu morava, vi o bispo parar o seu carrão para dar carona a uma senhora. Ela vinha dos lados das nascentes do sopé da Chapada do Araripe com uma enorme trouxa de roupa na cabeça. O sol estava escaldante. 


Naquele instante, descobri quem eram os ratos.

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