Alguma memória

Aqui vão alguns registros de memória do sertão que há dentro de mim.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Nas horas de Deus, amém

Cresci numa família católica. Católica praticante, é preciso frisar. Melhor: família de mulheres católicas autênticas. Os homens eram de uma fé protocolar. Meu pai nos levava à missa aos domingos e ficava no patamar da Catedral da Sé conversando e esperando o tempo passar. Meus avôs - tanto paterno quanto materno - eram homens de poucas rezas.

As mulheres não. Rezavam terços e novenas. Maria Grande nunca tirava o rosário do pescoço. Acompanhavam procissões com as crianças levadas pela mão. Dois tios até foram internos no Seminário São José, mas não prosperaram na vida eclesiástica. Tenho certeza de que se o mais velho deles tivesse mantido a batina, o Brasil teria o primeiro Papa da história. Hoje é advogado. Nunca vi tanta lábia num só cristão. Casou umas seis vezes e ganhou dos irmãos o apelido de Pantaleão.

No tempo de meus avós, no sertão se rezava pedindo proteção contra a seca, a peste e o comunismo. Luis Carlos Prestes e sua coluna eram ameaças reais. Comiam crianças!

Meu pai é um dos poucos homens que conheço que se converteu à fé católica. Sim por que geralmente as pessoas saem da Igreja Católica para as pentecostais para aceitar Jesus. Ele não: aceitou ali mesmo. Deixou a calçada da igreja quando percebeu que a porta estava aberta como os braços do Cristo na cruz.

Isso fez a diferença nas nossas vidas. Passamos a ouvir semanalmente pregações de homem que considero até hoje um poço de sabedoria: monsenhor Antônio Feitosa. De cultura vastíssima, ele próprio se dizia um convertido. Sim, convertido pelo Concílio Vaticano II, que o fez ver a importância do leigo, das coisas simples da vida em comunhão. Nesse tempo, solidificou-se em mim o gosto pela leitura, que começou pelo Antigo Testamento e suas histórias fantásticas.

Fui batizado na Igreja de São Vicente. Primeira Eucaristia foi na escola (foto), com padre que, fiquei sabendo depois, não era assim um celibatário exemplo. Ia à missa na bela Igreja de São Francisco. Depois na Sé. Procissões, jejuns, Finados. E a festa de Nossa Senhora da Penha, a padroeira. Contudo, sempre que me aperreio por algum motivo, peço a minha mãe que reze por mim. Por que, se os santos não a ouvirem, a mim mesmo é que não vão atender.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Eu vou pro Crato

Faço questão de mandar meus filhos pro Crato todos os anos nas férias. Lá eles têm espaço pra correr, jogar bola, brincar de todas as formas que a infância tem direito. Mas, tem também outras coisas, que certamente nem se dão conta.


Fruta fresquinha no pé. Tem filhós e rolete de cana na Praça da Sé. Tem Socorro, que mantém um tiquim de dona Mundinha (que já se foi) no Mercado com seus caldos deliciosos. Tem feijão verde e tem andu.


Baião-de-dois e galinha caipira à cabidela. Paçoca feita ali mesmo com direito a tum-tum-tum de pilão.Tijolo de buriti. Tapioca quentinha com manteiga-da-terra e queijo coalho de manhã bem cedinho. Fruta madura no pé. Tem saúde e ar puro. Uma rede na varanda convida à preguiça.  


Um céu cheinho de estrelas quando escurece. Tem vovô e tem vovó. E uma tia balzaqueana que é um amor. 


Na foto acima, meu sobrinho David (à frente) e meu filho João Pedro no lombo de uma jumenta (devidamente acompanhados por vovó, vovô e pelo leal "Zé da Missão Velha"). 

Ah! Tem também uma vontade da gota serena de ir também.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Meias brancas


Os resultados do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica (Spaece) são comemorados por uns e rejeitados por outros. Na mão de alguns vira arma política. Há quem se justifique. Mas, o que há por trás dos números? No meu tempo, gente.

Estudei em escola pública nos primeiros anos da minha vida. Grupo Escolar Teodorico Telles de Quental. Depois de rápida passagem pelo Externato 5 de Julho, pertencente à Associação dos Empregados do Comércio, ingressei na escola particular. Com bolsa de estudos.

Nesse tempo, a região na qual a minha família se instalara deixava de ser um sítio isolado para, lentamente, se tornar (hoje) um dos bairros chiques da cidade. Vizinhos eram poucos. Como no dizer do poeta Manoel de Barros, passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas, como encantado. Mas, por obra da Providência Divina, um senhor de posses, pai de bela família formada por três meninos, mudou-se para sítio próximo. O mais velho tinha a minha idade.

Arranjaram uma bolsa de estudos e passei a frequentar colégio particular, junto com esse vizinho. Jogava bola no campo gramado da casa dele. Brincava de, vejam só, “Atari”, joguinho precursor de tudo quanto hoje há por aí. O Colégio era o Madre Ana Couto, pertencente á Diocese do Crato.

Ali conheci grandes professores. Agnelo Damasceno, Assis Brito, dona Aidê, Rogério, Padre Eugênio... Um dia comum de inverno fomos surpreendidos por uma preleção (Agnelo sempre fazia preleções antes de iniciar as aulas de Matemática... Falava de coisas atinentes à vida comum, aos acontecimentos cotidianos. Dava conselhos).

Nesse dia o professor havia encontrado uma estudante fardada zanzando na rua no horário de aula. Perguntou por que ela não estava em sala de aula. Perguntou o que se passava. A menina então explicou que, por ser tempo chuvoso, suas meias brancas não haviam secado e ela fora barrada na escola por estar em desconformidade com o uniforme.

Visivelmente emocionado, o mestre teceu elogios à menina que, em vez de desistir da aula, ia pra casa verificar se suas meias já haviam secado. Dessa forma poderia assistir às aulas após o recreio. E lastimou a decisão da direção da escola de barrar um aluno sem meias.

Por trás dos números Spaece há meias-verdades e meninos e meninas sem meias. Poucos, hoje, voltariam pra escola depois de barrados, como fez a garota do meu tempo.


E, desgraçadamente, há cada vez menos homens como Agnelo Damasceno.   

sábado, 21 de maio de 2011

Última fulô do laço

Seu Chico Balbino me ensinou, há muito tempo, a diferença entre ‘rei’ e ‘reis’. Não se trata de plural de substantivo, advirto. É algo, digamos, mais profundo. Ou mais bonito. Vejamos: quando um matuto vai contar uma história de trancoso, uma fábula, em vez de da expressão “senhor rei”, ele emprega “senhor reis”. Isso mesmo, o monarca é chamado de “reis”, embora seja um só. Balbino explica, com sabedoria: “rei (relho) é de dar em animá”. Perfeito.
 
“Estou farto do lirismo comedido 
Do lirismo bem comportado 
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.”

Livro recentemente lançado pelo governo causa polêmica por aceitar a grafia de palavras em desacordo com a dita norma culta da Língua Portuguesa. Pai de três meninos em idade escolar, admito que não tenho elementos para opinar com segurança sobre o assunto. Mas, gostaria de contribuir para o debate de alguma forma. E, para isso, chamo à cena os meus matutos...

“Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.”

Disse em crônica anterior que o termo “alguidar” era comum entre membros da minha família. Mas não só esse: “ancho” é a cara da minha mãe ao ver alguém chegar satisfeito de uma empreitada. “Eita, fulano vem ali todo ancho”. Na língua portuguesa falada no Brasil, só conheço essa palavra empregada por Chico Buaque de Holanda. Uma única vez.

“Abaixo os puristas. 
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais 
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção 
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis“

Outros termos podem ser elencados. Muitos ficarão na gaveta empoeirada das reminiscências. J. de  Figueiredo Filho me socorre com “botador de sentido”. Embornal é o ‘bornal’ em que o caçador leva munição. Arupemba.... Há muitos. Meu avô não podia ouvir menino batendo boca que gritava de lá: “Não quero saber de prufia (porfia)” . Lindo!

“Estou farto do lirismo namorador 
Político 
Raquítico 
Sifilítico 
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.”

Minha avó, Maria Silvestre – a “Maria Grande“- era mestra em cunhar palavras, mesmo analfabeta. Um dia, ao conhecer uma bisneta nascida no Rio de Janeiro saiu-se com essa: “Como é seu nome?” E a menina: “Paloma”. Vovó: “Palooooooma? Eu não sei dizer esse nome, não. Vou te chamar é de Pelonha”.

“De resto não é lirismo 
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar mulheres, etc.”

Outra vez, de férias em casa de mamãe, eu já adulto, a vi procurar por algo na cozinha. Perguntei se podia ajudar. Ela: “Pode. Me mostre onde sua mãe guarda a nanuscada....” Não é preciso dizer que a comunicação não se estabeleceu. Disse que tava faltando ou inventei outra desculpa qualquer. Quando minha mãe chegou da rua soube que “nanuscada” é apenas noz moscada. Ok.

“Quero antes o lirismo dos loucos 
O lirismo dos bêbados 
O lirismo difícil e pungente dos bêbados 
O lirismo dos clowns de Shakespeare.”

Outros e outros exemplos de palavras (do português arcaico ou dessas adaptadas ao falar matuto) povoam a minha memória, inebriam a minha alma.

“- Não quero saber do lirismo que não é libertação.     

Os parágrafos entre aspas desse texto são a poesia “Libertinagem”, um libelo modernista de Manuel Bandeira.  Tenho a absoluta convicção de seu Chico Balbino nunca ouviu falar em Manuel Bandeira, em poesia modernista ou em clows de Shakespeare. Mas ele soube, como ninguém, ensinar a diferença entre a realeza e um chicote.

Hoje, lingüistas, políticos, jornalistas e outros especialistas “prufiam” sobre o livro do MEC. Sem paroxismos (licença, viu seu bandeira), prefiro meus velhos. Vou ficar com seu Chico Balbino e com seu Manuel  Bandeira, que me ensinaram uma lição real, poética e definitiva.



quinta-feira, 19 de maio de 2011

À flor da pele

Vejo seu Espedito na capa de revista e fico orgulhoso. Não é a primeira vez que o vejo reconhecido e que me orgulho disso. Há alguns anos, esteve em São Paulo onde foi homenageado por estilista famoso. Um modelo bonito pra dedéu até desfilou com uma sela nas costas. Achei aquilo estranho, mas sei que em matéria de moda é tudo meio “Azul de Jezebel, no Céu de Calcutá”. Enfim.

Desde menino conheço e admiro o trabalho de seu Espedito e de outros mestres na arte de trabalhar e dar beleza ao couro. Birrão era um negro cego e muito pobre que gravitava em torno da “Casa do Vaqueiro”, no Centro do Crato. Seu Chicô, dono do estabelecimento tinha de um tudo. Dizem que até bainha pra foice.

Matuto sabia aonde encontrar o que precisava: Rua da Laranjeira (hoje Santos Dumont), próximo ao mercado velho, que já não existe mais. Birrão se gabava: “O véi aqui atrás dum couro. Me pediu pra escolher. Perguntei pra que era a peça... ele disse. Fui lá dentro e trouxe. Depois o cego sou eu!”
Na ponta dos dedos, tecia cordas de couro com maestria. E corrigia trabalhos malfeitos de outros artesãos.  Ao correr a peça entre os dedos, parava em determinado ponto: “Tá errado bem aqui”. E estava mesmo. Birrão via o que ninguém mais enxergava nem jamais exergará.

Viva seu Espedito, que com sua voz mansa me aponta, na porta de sua oficina: “Aquela casa bem ali atrás é de uma Silvestre, prima sua”. Fala de tia Rosa, a velha de olhos de anilados como de pavão. Fala de Luís, um primo distante. Do Sítio Grossos, onde nasceu minha avó...

Viva seu Espedito que, reconhecido, ganhou capas de revistas e páginas nos jornais. Contudo, viva ainda mais o genial Birrão, que era cego e morreu sem ser visto pela maioria de nós.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Verônica

Junte uma câmera amadora, um fotógrafo amador e um coração amantíssimo. Para quem acompanha este blog não é preciso dizer o quanto o Cariri me inspira. A natureza, as gentes, as festas, as tradições religiosas, a matutada e as matutices. Enfim, eu mesmo em cada coisa que canto.

Contudo, apartado da minha terra há quase três décadas, era preciso encontrar forças nalgum lugar. Um porto seguro. Claro que o Cariri não saiu de mim e que, a qualquer momento, basta um cheiro, uma imagem, uma luz, uma simples palavra para a gaveta das reminiscências estar novamente aberta. E tudo fresco como a manhã. Apenas envolto na bruma do tempo.

Este porto seguro é a mãe de João (que também aniversaria hoje), de Miguel e de Isaac: Verônica. A pessoa mais importante da minha vida desde que sai do Cariri. Hoje é seu dia! E dia de João também, presente de Deus para as nossas vidas.

Quanto ao resultado da equação proposta na primeira linha desse texto (uma câmera amadora, um fotografo amador e um coração amantíssimo) não podia ser outro: a lua em forma de coração, que só tem no Cariri. Não, não. Na verdade, só tem pra você, meu amor.


segunda-feira, 16 de maio de 2011

Pedagogia do cipó

Tempo para refletir. Era assim que meu pai chamava o intervalo necessário para ir até o mato, quebrar o cipó de mameleiro e trazê-lo de volta. Era missão terrível: escolher o cipó com o qual iria tomar uma sova. O arrependimento tomava conta. Não devia ter feito isso, não devia aquilo... mas, já tinha feito. Sova.

A pedagogia moderna condena o castigo físico. “Relho não é santo, mas obra milagres”, ensinava meu pai. Eu sou prova disso. A surra mais injusta de que tenho notícia foi a que não levei. Claro que ninguém gosta. Mas, foram os corretivos que me ajudaram a me aprumar na vida.

Criaram até a ‘Lei da Palmada’, que proíbe castigo aos pequenos. No tempo de eu menino éramos apenas dois filhos. Depois vieram os outros dois. Minha irmã sempre foi birrenta. Em caso de brigas, apanhávamos abraçados. Era para a gente “aprender a ser unido”. Ela hoje é umas pessoas a quem mais eu quero bem.

Dia desses cheguei a casa para o almoço meio fora de hora. Meu filho caçula estava na mesa da sala de cara emburrada diante dos livros. Tentei estimulá-lo. Até a hora em que ele desferiu forte pancada na mesa, de punhos cerrados.  Na falta do cipó, foram quatro chineladas.

Há duas semanas recebi o boletim do moleque. A menor nota é 9,8. E eu constatei que relho não é santo, mas continua obrando milagres.


quinta-feira, 12 de maio de 2011

Amanda Régis sempre houve

Sai do Cariri aos 18 anos, em meados dos anos 1980. Brasília era o destino. Mais de 30 horas batendo dentro de um ônibus. A grana pouca foi costurada por minha mãe num bolso de calça. À mão, alguns trocados para merenda. Não queria sair, mas tinha de sair.


No Planalto Central procurava em toda parte algo que me remetesse ao torrão natal. Lembro da emoção de ver, na gôndola de uma livraria da Rodoferroviária, o Cante Lá, que eu Canto Cá, de Patativa do Assaré. Com o coração apertado folheei o livro lentamente, como à procura de algo, procura de mim mesmo talvez.
Custeado por uma tia altruísta, fazia cursinho num dos principais colégios do DF. Foi ali que encontrei Amanda Régis. Claro que não a mesma moça que, via twitter, expôs ontem, a estupidez de muitos. Sim, pois há muitas Amandas. Sempre houve.

Na escola candanga, dentre várias pessoas bacanas, de vários estados brasileiros, uma gaúcha era a amanda (assim mesmo, minúsculo, pois Amanda aqui vira adjetivo). Filha de militar transferido a serviço para BSB, ela execrava o Nordeste e os nordestinos. Éramos, no entender da moça, recém-saída da adolescência, o motivo do atraso da Nação.

Lembro de teimas intermináveis. Os argumentos dela eram amandianos, é claro. Mas, num dia qualquer, o bate-boca pendeu para o campo das artes. Ela, sempre arrogante, tascou: “Quando o Nordeste irá dar ao Brasil uma Elis Regina? Quando dará uma canção do quilate de “Como Nossos Pais (era a música da vida da moça)”. Ai eu entrei com os dois pés, numa voadora na altura do pescoço: “Êpa!! Perai que essa música é de um cabeção nascido e criado no sertão do Ceará. Chama-se Belchior. E é apenas mais um dos bons artistas que temos por lá”. Nocaute.

Esse texto é dedicado a todos os que sofreram ou sofrem qualquer tipo de preconceito. E às amandasrégis bem-nascidas, que se acham superiores e reproduzem preconceitos como fizeram os seus pais.


quarta-feira, 11 de maio de 2011

Fogo morto


Hoje encontrei uma foto feita por mim no meio da feira, em Juazeiro do Norte, e que me traz muitas recordações. Fui criança entre as bagaceiras de dois engenhos: o que pertencia a Antuérpio de Melo e o de propriedade de Aderson Tavares Bezerra. Duas famílias de forte tradição naquele quase agro-feudalismo.

Cambiteiros, garapas, alfinim, rapadura, olhos-de-cana e tantas outras coisas fizeram parte desse tempo. E nunca mais me deixariam. Hoje, os dois engenhos são fogo-morto. Mas, basta fechar os olhos que os odores e os sabores do tempo de eu menino invadem os meus pulmões cansados e me levam água à boca aflita.

Nos anos 1970, instalou-se em Barbalha – a “Terra dos Canaviais” – uma usina de açúcar. Fortemente apoiada em subsídios da Sudene, o empreendimento prometia ser a redenção para o setor em todo o Cariri. Finalmente, passaríamos da produção que remontava à Colônia para a agroindústria moderna.

Donos de engenho caíram no canto da sereia e, paulatinamente, foram deixando a produção de rapadura para vender a cana-de-acúcar para a usina. Milhares de braços desempregados. Da semi-servidão ao desemprego. À emigração. Ao abandono.

Então um dia o Milagre Econômico acabou. A usina fechou. Os engenhos não abriram mais.

Hoje, há poucos engenhos em atividade. E muitas almas em ruínas.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Ave poesia

Eloi Teles de Moraes - esse senhor bonachão ai da foto - é um dos maiores brasileiros que tive o prazer de conhecer. Radialista, "Seu Eloia" como chamavam os matutos foi um grande incentivador da cultura popular. Todas as manhãs, quando íamos para escola, escutava no rádio do jipe do meu pai o programa "Coisas do Meu Sertão".

Seu Elói declamava Patativa, José Hélder França, Catulo da Paixão Cearense, Zé Laurentino, Zé Limeira (o Poeta do Absurdo), Zé da Luz e muitos outros. Fechando os olhos posso ouvir a vinheta do programa nesse exato momento. O gorjeio de pássaros...
De tardezinha, era a hora do programa "Forró da Casa Grande". Luiz Gonzaga, Trio Nortista, Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, que começava... Não se falava sequer em forró pé-de-serra (é que não existia outro).

Era seu Elói o quem garantia o palco aos grupos de pífanos (bandas cabaçais), de reisados, maneiro-pau, repentistas durante a exposição do Crato, que não se chamava “Expocrato” e não era pasteurizada, sem sertanejos, axé, nem forró de plástico.

A foto acima é de Pachelly Jamacaru, copiada do bom sítio http://festivalcariridacancao.blogspot.com/ A seguir, reproduzo um dos poemas que adoçavam minhas manhãs infantis:

 MATUTO NO FUTIBÓ
(Zé Laurentino)

Hoje o pessoá do mato
já tá se civilizando
já tem rapaz estudando
p´ras bandas da capitá
já tem moça que namora
com o imbigo de fora
ediceta coisa e tá.

Mas essas coisas eu estranho
me dano e não acompanho
a tá civilização
até que a morte me mate
nunca eu fui numa boate
nunca vi televisão.

E este tá de cinema
eu num sei nem cuma é
se é home ou se é mulé
se vem da Lua ou do Só
um triato eu nunca vi
e também nunca assisti
um jogo de futibó.

É isso mesmo patrão
eu nasci p´ra ser matuto
viver que nem bicho bruto
dando de cumê a gado
eu só acho que sou gente
pruque um véi meu parente
disse que eu sou batizado.

Mais pru arte dos pecados
um fí de cumpade Chico
o fazendeiro mais rico
dali daquele arredó
cum preguiça de estudar
inventou de inventá
um jogo de futibó.

E no paito da fazenda
mandou botar duas barra
e eu fui assitir a farra
do lote de vagabundo
mas quando eu vi afroxei
e acredite que achei
a coisa mió do mundo.

Eu caboco lazarino
com doi metro de artura
os bracos dessa grossura
medo p´ra mim é sulipa
de jogar tive o parpite
e aceitei logo o convite
prumode jogar de quipa.

Me dero um calção listrado
e um pá de jueieira
também um pá de chuteira,
uma camisa de gola
e eu gritei arra diabo
eu já peguei touro brabo
e segurei pelo rabo
porque não pego uma bola?

Sei que o jogo começou
o juiz bom e honesto
p´ra começar era Ernesto
o nome do apitadô
que metido a justiceiro
prumode o jogo pará
bastava a gente chutar
a cara de um companheiro.

Bola vai e bola vem
um tá de Zé Paraíba
inventou de dá uns driba
no fí de Chica Brejeira
esse deu uma rasteira
que o pobre do matuto
passou uns cinco minuto
enrolando na poeira.

O juiz mandou chutá
uma bola contra eu
pruque o meu fubeque deu
um coice no Honorato
aí o juiz errou
pois se o fubeque chutou
ele que pagasse o pato.

Mais afiná meu patrão
não gosto de confusão
mandei o cabra chutá
fiquei esperando o choque
tanta força a bola vinha
que vinha pequenininha
que nem bala de bodoque.

E quando eu fui pegá a bola
me atrapaei meu patrão
passou pru entre meus braço
bateu numa região
que foi batendo eu caindo
espulinhando no chão.

O povo bateu em riba
Me dero um chá de Jalapa
uns treis copos de garapa
mai um chá de Quixabeira
esperei uma melhora
joguei a chuteira fora
e sai batendo a poeira.

E desse dia p´ra cá
nem mode ganhar dinheiro
não jogo mais de goleiro
nem com chuva nem com só
nem aqui nem no deserto
nunca mais passo nem perto
de um campo de futibó.


PS – O nome deste blog é mais do que uma remissão ao programa de Seu Elói. É uma homenagem. (post reproduzido, com alterações do meu perfil no Facebook).

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Artista é na rua


Conheci Patativa do Assaré numa segunda-feira da minha infância. Foi no cruzamento das ruas Santos Dumont com Monsenhor Esmeraldo, no Centro do Crato. Patativa estava na cidade 'resolvendo assuntos na feira'. Eu ia com meu pai não sei mais para aonde.

Praticamente trombamos naquela esquina, na qual ocorreu o seguinte diálogo: "Olha ai o poeta!", disse meu pai. Ôpa!, respondeu Patativa. E completou: "Esse menino é seu?". A mãe dele garante que é, brincou papai. "Qual é o nome dele?". 'Henrique'. E o poeta: "Henrique é nome difícil de dizer, mas quem não quer Henrique ser?". E seguiu com sua aura de prata no meio da feira. Ave Patativa!
Essa singela passagem da minha vida serve hoje para  homenagear a todos os artistas que tive o prazer de conhecer na rua, não nos palcos, na tevê ou nos jornais. Salve Aniceto! Salve Seleiro! Pedro Bandeira! Chiquim Eugênio (reisado).... Salve, Salve!
A foto acima é um detalhe do Centro Mestre Noza de Artesanato, em Juazeiro. Um lugar incrível, que merece ser visitado e valorizado. Nos braços de São Francisco tenho quase certeza de que os passarinhos são Patativa e Elói Teles de Morais, dois gigantes da cultura popular.

sábado, 7 de maio de 2011

Doces bárbaros

Seu Lunga ganhou fama de bruto e essa fama ganhou o mundo. Quero dizer aqui uma coisa: Lunga na frente de outras “peças” que pontificaram no Cariri é um cordeiro. Bill (assim como todo Francisco é Chico, Severino é Bill no sertão), Pão Doce e Zé Lopes estão no alto do panteão da ignorância  cratense (dizem alguns que meu pai também é meio brutinho mas, como convivemos desde sempre, me acostumei e acho tudo muito natural). 

Pão Doce foi colega de Tiro de Guerra de Meu Pai. Esquelético. Não, um “mané-mago”. Um dia, o sargento que dava a instrução física, castigou a turma com incontáveis voltas correndo em torno do campo de futebol. Depois, passou um sabão. Chamou-os de frouxos e outros adjetivos menos nobres. Por fim, desafiou: “Sou um homem maduro, que serviu na caserna! Agora, apareça um de vocês pra fazer exercícios comigo!”

A turma inteira ficou paralisada. Pão Doce, que mal respirava após o castigo imposto à turma, deu passo à frente e disse: “Proto, sargento”. A turma entendeu a senha e cercou o militar, que sacou da arma e ordenou “última forma!” Todos dispersaram. E o sargento escapou de uma sova.


Zé Lopes era comerciante de gado em pé. Comprava rezes e as vendia para o abate. Reza a lenda que um dia de setembro, numa das estradas vicinais que corta a Chapada do Araripe, ele foi visto puxando uma rês para dentro de um fusca. Isso mesmo, um novilho, pequeno é verdade, devidamente laçado numa corda caroá, era puxado para entrar no fusca, que estava sem o banco do passageiro para aumentar o espaço.

Alguém que passava gritou: “Cabe não, seu Zé!” E ele: “Esse fdp, entra! O 
outro não entrou?” 
                                                                                                              
Vixe, ia esquecendo de seu Bill, que é do pior tipo de bruto que há: o dócil, educado até. Pode-se se dizer dele que... “homi rá se lascá!”

PS. Esse é o meu panteão. Há outros, muitos outros!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O encantamento da pedra

Faz pouco tempo publiquei no Facebook a série de textos “Saudades do Cariri”. São textos despretenciosos, surgidos numa horinha de ócio. Acredito que é chegado o tempo de compartilhá-los, mesmo que com alguma alteração, com mais gente:

Minha família tem uma pequena propriedade rural nos confins de Araripe, município esquecido situado na divisa do Ceará com o Piauí.

Lá, João Silvestre, meu avô, cultivou arroz, milho, feijão, fava e mandioca. Criou cabras e uma bela ninhada de filhos.
Às vezes tenho a impressão de que Gabriel Garcia Marquez passou por aquelas bandas antes de escrever Cem anos de Solidão. Minha tia Ester bem que podia fazer parte da incrível Macondo. Ela ainda hoje acredita que tomar café e depois se balançar numa rede ofende, faz mal, pode “dar o ramo”.

Dentre muitas coisas e pessoas fantásticas, está a poesia que nasceu ali para denominar os fósseis que pontificam por toda parte: "pedras de peixe encantado". Levou muito tempo pra que eu descobrisse o valor desse encantamento. Os peixes, no entender daquela gente, não se fossilizaram. Antes, se encantaram.

Não por acaso escolhi um fóssil como avatar. Tudo aquilo é puro encantamento.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Aceiro


A palavra “aceiro” é assim definida pelo dicionário: “s.m. Espaço desbastado de vegetação, que se abre em torno das residências rurais ou à margem de um trecho conflagrado por incêndio nas matas, para impedir a propagação do fogo.”  Diz a recomendação dos técnicos que a largura dos aceiros deve ser duas vezes e meia a altura da vegetação. Mas, isso pouco importa.

No sertão as palavras tem sentido maior, transfigurado até. Aceirar vai além de impor margem para conter o fogo. “Funlano tá aceirando a filha de seu sicrano. Se ele descobre!” Aceirar passa, então a ser o que na cidade um dia se chamou flertar, depois paquerar e, hoje, acho, “azarar”.

Valdemar é um primo distante de minha mãe nascido e criado no Sítio Palmeirinha, que fica por trás do Colégio Agrícola. Homem da roça, tem uma família numerosa e trabalhadora. E pura. Um dos rebentos de Valdemar, Antônio, passou temporada no sítio da minha família. Meu pai, já aposentado, resolveu criar duas vaquinhas para ter leite, coalhada e queijos frescos, além de ter o que fazer, é claro. Antônio ajudava. Eram os anos 1990. Eu já havia arribado do Crato.

Antônio era um doce de rapaz. Um dia, vendo tevê com meu irmão, deu-se o seguinte diálogo (era um filme de naufrágio ou coisa que o valha. Certo é que havia uma pessoa num barco no meio de mar, perdida). Meu irmão perguntou: “Antônio, se fosse tu, assim no meio do mar e o barco afundasse... O que tu fazia?”

E Antônio, sem vacilar: “Ôxe... nadava pros aceiros”.

Salve Antônio de Valdemar! Salve a inocência que (ainda) se encontra no sertão!


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Matança de porco

A matança do porco é um dos dias mais especiais da tradição rural alentejana. É um dia de festa, um dia “bem comido e bebido”! Muitas famílias do mundo rural criam o seu porco durante meses, e chegado o inverno procedem ao seu abate.

O texto acima foi retirado da página eletrônica do Museu Municipal de Estremoz, região do Alentejo, Portugal (http://museuestremoz.blogspot.com/2010/01/peca-do-mes-matanca-do-porco_20.html) e me surpreendeu pela semelhança com tudo o que vivi na minha infância.

Galinhas, ovelhas, porcos faziam parte da rotina de menino de sítio. O abate desse animais também. As galinhas eram (e ainda são) as mais comuns. Não há como contar as vezes que segurei no pescoço da penosa para colher o sangue destinado à cabidela, que se chamava “molho pardo” naquele tempo.

Pelo porte do animal e pelo escândalo que patrocinam na hora do abate, foram os porcos que me marcaram mais fortemente. A matança ocorria sempre num domingo, bem cedinho. Era preciso aproveitar a folga do meu pai, que trabalhava até no sábado. Quando acordava, a água já estava borbulhando no fogo de lenha e “os ferros” já estavam amolados. Para tranqulizar o bicho, fazíamos cócegas nos vazios (próximo à barriga).

Em seguida vinha a pancada entre os olhos e a facada na jugular. O sangue jorrava forte e era preciso mexer para não coalhar. Os gritos do bicho iam diminuindo na medida em que a vasilha se tingia de rubro. Estava garantido o chouriço. 

Depois de pelado, era preciso pendurar o bicho de cabeça pra baixo, pelos mocotós. A barriga era então aberta com cuidado para não se danificar o fato. Lavar as vísceras era tarefa de mulher. Nessa hora, eu me encarregava de levar miúdos para a cozinha.

Terminado o serviço, era hora lavar o local para evitar moscas.  Depois, esperar uma linguiça caseira, um guisado, ou um pernil na brasa. 

Da matança alentejana, só não herdamos a tradição do vinho, providencialmente substituído por uma boa cachacinha.

Ah, a palavra “alguidar”, ainda hoje é usada comumente lá em casa, junto com muitos outros termos igualmente herdados do português antigo. Mas essa já outra história.

Eu, bicho do mato

Meu pai costuma dizer que “Silvestre é bicho do mato”. Isso para mexer com a família de minha mãe e, é claro, comigo. Confesso que, mesmo vivendo em grandes centros urbanos há mais de 25 anos, o mato não saiu de dentro de mim. Nem sai. Muito pequeno ainda fomos morar num sítio no sopé da Chapada do Araripe. Hoje, o bairro chique da cidade. Aquele era outro tempo.
A água encanada chegou depois. Éramos abastecidos por um chafariz que ficava próximo. A vegetação da Chapada abraçava a propriedade da família (hoje é um loteamento, com muitas mansões). Às 17 horas a floresta era noite. Não se entrava mais no mato. Perder-se era um risco. O Rio Jacó – um riacho afluente do Salgado, que ajuda o Jaguaribe a ser grande, é o rio da minha aldeia. Ele passa e eu confio.
Raposa, gato do mato, gavião, cobras, tejos, cassacos e uma sem-número de pássaros compunham a fauna. Uma rasga-mortalha tinha ninho na palmeira atrás da casa. Minha mãe tinha medo do agouro e palmeira foi ao chão. A ave foi fazer ninho bem longe. No meio do sítio, um enorme ipê amarelo ainda flora anunciando setembros. Tínhamos também a fortuna de possuir plantas que sempre considerei exóticas: um pé de araçá, outro de fruta-pão, café. Como cheira a flor branquinha do pé de café! E groselha (dessa eu trouxe uma muda para a Sapiranga!). Fruta comia-se do pé, fresquinha e sem veneno, fugindo dos marimbondos.
Tive, por isso, a alegria de uma infância pura, saudável: a merenda da escola era a fruta da época. Sucos de caju, manga, goiaba. Doces, ah os doces. O de groselha – não essa groselha européia, mas a groselha nordestina, da foto acima – sempre foi meu preferido.
Tudo dádiva da Floresta. Floresta Nacional do Araripe, que hoje completa 65 anos de criação. E que resiste, apesar de toda agressão humana.


(A foto no alto é do Cruzeiro no Mirante de Santana do Cariri, lugar incrível. Ao lado, o Soldadinho do Araripe outra dádiva da floresta).


segunda-feira, 2 de maio de 2011

O menino e as macaúbas

Neto de próspero comerciante que ruiu com o ciclo do algodão, sempre tive uma relação muito difícil com essa atividade econômica. Na verdade, meu avô não transferiu nem para os filhos nem para mim, sua habilidade comercial.
Contudo, nos tempos bicudos da minha meninice, meu pai sempre me incentivou a entrar nesse ramo. Morávamos no sítio, e sempre havia excedente de um ou outro produto prontinho pra ser vendido.  Faltava o vendedor.
Não me recordo de quem partiu a idéia (embora ache que tenha sido corda do meu pai) de eu juntar um milheiro de macaúbas pra vendar na feira. Passei a me empenhar diariamente. Era muito ainda pequeno.
Passados alguns dias e com alguns espinhos nas mãos e nos pés (o espinho da macaubeira quebra a ponta dentro da carne. Passa uns 10 dias doendo até que inflama e sai), estava lá o monte de macaúba, reunido numa única saca que tinha quase a minha altura.
Meu pai tirou o banco do passageiro do fusca para levar a mercadoria. Saimos ainda  de madrugada em direção à feira, que ficava na margem esquerda do Canal do Rio Granjeiro (esse mesmo que a chuva arrebentou dias atrás).
Fiquei meio zonzo com o burburinho. Caminhões, carroças, sacos, chapeados ... Uma baiana gorda que usava uma bolsa à tiracolo por cima dos seios enormes e tinha um pano na cabeça era a manda-chuva. Ela era quem comprava e pagava tudo com dinheiro tirado da bolsa. Meus olhos brilhavam de ansiedade.
Tentei abordá-la por duas vezes, mas não recebi atenção (quem desdenha quer comprar, aprenderia depois).  Para conquistar a atenção dela eu apelei: chamei-a pegando na alça da bolsa onde ela levava todo o apurado. “–Cadê as macaúba (sic)?” “– Ali”, respondi apontado o saco. O sol começava a raiar nesse momento.
Ela então deu três passos, apanhou duas macaúbas do saco, bateu uma na outra e disse: “- Tão verde, presta não”(sic). Fiquei paralisado. Sem voz, sem argumento, sem ação.
Quando sai da letargia peguei o saco pelas “orelhas” e, com esforço descomunal, arrastei a mercadoria recusada até a margem do Canal. Sentado na mureta, com as pernas no batente que se forma do lado de dentro, comecei a pensar  no que fazer.
Enquanto destilava meu ódio avistei um rato dentro do canal, entre pedras e lixo. Joguei uma macaúba. Depois mais uma. Outra, mais outra....até que o sol, que já estava alto, fez escorrer a primeira gota de suor da minha fronte.
Nesse momento, peguei saco pelo meio e o inclinei sobre a mureta do canal. Mil macaúbas e a minha primeira experiência comercial estavam no fim.
Ao ver a cena, a mulher gorda ainda exclamou: “O menino jogou as macaúba fora!” (sic) Tive ainda atrevimento pra dizer: “Não eram minhas?”.
Dois quarteirões dali, meu pai aguardava no trabalho. Ao me ver chegar com saco vazio debaixo do braço perguntou, orgulhoso: “Apurou quanto?”. E eu: “Nada, joguei tudo no canal.”
Depois de uma gargalhada sem tamanho, ele me mandou merendar no café da dona Mundinha, que era no mercado ao lado. Morria ali, no nascedouro, um comerciante. Nascia um bruto.