Sempre que falo da minha infância falo de um menino beradeiro. É fato que a maior parte desse tempo vivi no sítio. As viagens à cidade eram diárias, para a escola. Mas, fins de semana e férias sempre foram de isolamento, no mato. Ademais, o tempo de ócio, mesmo em períodos letivos, era passado na roça mesmo. Mas, houve outro tempo, urbano. Curto, porém intenso.
A rigor, boa parte da minha primeira infância foi na rua. Melhor, na cidade. Primeiro no popular Alto do Seminário. Depois ali perto de onde hoje funciona a Estação Cultural, antiga estação da RFFSA. Mas, é de um terceiro endereço que me vem alguma lembrança dos meus tempos urbanos: Rua Sagrada Família.
Fica no sopé da barreira do Alto do Seminário, por trás da antiga garagem da Prefeitura do Crato. As casas do lado do poente, quase todas de calçadas muito altas, tinham seus quintais limitados pela enorme barreira. Alguns barracos eram edificados nalgum pequeno platô paredão acima. Já as moradias do lado nascente tinham davam seus quintais para a margem esquerda do Rio Granjeiro. Um dia pulei de uma calçada no meio da rua e quase perdi o dedão do pé esquerdo pra um caco de vidro.
Outra vez cheguei em casa pela mão de um vizinho bondoso. Ele me apanhara à margem do Rio Granjeiro, que amanhecera de enchente. O problema é que, menino pequeno, estava eu do lado de dentro da amurada, no batente que se formava no parapeito. Uma queda para dentro rio e tchau. Minha mãe rezou uma dezena de terços.
É desse tempo também a lembrança doce dos pregões: “Oooolhaaaa Cocaaada”, gritava o preto com o tabuleiro na cabeça. “Eeeeou o picolé”, convocava o vendedor que batia no isopor. Foi há muito tempo. O leiteiro passava no lombo do burro com seus latões. Esse não apregoava, apenas alertava na porta da freguesia certa: “Lêeech!”. E o doceiro: "Iôu o quebra-quêêêxo".
De todos eles, o que mais me animava era o vendedor de pães. Passava de tarde, na hora da merenda, com um tabuleiro comprido cheio de pãezinhos sovados, moreninhos, macios e de formato peculiar. E gritava, para excitação geral: “Ói o peito de moça!”