Alguma memória

Aqui vão alguns registros de memória do sertão que há dentro de mim.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Atrás da bola



A foto ao lado, que surgiu numa rede social por obra e graça da amiga Diana Feitosa, me trouxe uma recordação especial do tempo de menino solto, sem “peias nem chocalho”, como costumava dizer meu pai. O grupo da foto era o que se reunia nos gramados dos vizinhos Paulo Leonardo ou Dulcilene Landim pra correr atrás da bola.

Ai vem o tempo, mais traiçoeiro companheiro de jornada de nós meninos: um vai estudar no recife. Outro migra pra Fortaleza. Um morre. Aquele acolá tem de trabalhar mesmo ainda imberbe e abandona os rachas de fim de tarde. Dispersamo-nos.

Mas, tinha uma outra galera, que rachava sempre aos domingos, no Parque Granjeiro. Era o time formado quase todo por membros de uma mesma família: filhos, sobrinhos e netos de seu João Hosana. Homem simples, ‘morador’ das terras do Engenho de Aderson Tavares Bezerra, hoje desativado.

Entrei para o time por acaso. Estava na estrada fazendo não sei o quê numa manhã de domingo, quando a equipe passou. O grupo dirigia-se ao Parque Granjeiro, onde disputaria com o rival de lá uma partida que, se a memória não me falta, era revanche.

Me chamaram pra compor a equipe. Não pensei duas vezes. Formava com João Azul (líder do grupo), Turil, Narcélio Cão-Amarrado, Robô de Lata, Pantico e Babilônia, único branco da equipe além de mim. Na verdade, Babi era louro. E outros, a quem o tempo fez o favor de embaçar na memória.

O uniforme era precário. Apenas uma camiseta branca de algodão com a numeração escrita com pincel. Ganhei a camisa 11. Joguei como nunca naquele dia e marquei quatro gols. Perdemos por 11 a nove. Sai de lá com apelido de Júlio César, que era o ponta esquerda bom de bola daquele tempo.

Onde estarão todos eles? João Azul, o negro simpático e boa gente que liderava o grupo? Toicim? Oswaldo Robô de Lata, Narcélio (se gritassem: “Soltaram o cão!” era capaz de haver uma morte), Pantico, Babilônia... perderam-se no tempo. Soube depois que alguns deles haviam migrado pra São Paulo, no início dos anos 1980.

Nosso campinho de terra batida, onde se jogava descalço, não existe mais. Há casas no lugar e o Parque Granjeiro virou um aprazível bairro. Tomara que ainda haja meninos por lá. E uma bola no meio deles.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O filhós é nosso

Vejo nos jornais a notícia – quase numa exclamação – de que amanhã será inaugurada a primeira unidade do McDonald’s no Cariri. Será em Juazeiro, num shopping. Haverá quem trate a novidade como sinal de modernidade, mesmo depois da coca-cola na China e do fliperama em Macau.


Na mesma edição, letras informam que a poderosa Disney vai cortar a publicidade de TV dos chamados “alimentos junk-food”. Na semana passada, o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, propôs a proibição da venda de “bebidas açucaras (leia-se refrigerantes)” em embalagens de mais de meio litro.

As duas medidas anunciadas nas terras ianques têm o mesmo objetivo: combater a grave epidemia de obesidade entre os norte-americanos. A primeira-dama Michele Obama encabeça campanha por hábitos alimentares mais saudáveis nas escolas daquele país.

É certo que as crianças vão poder brincar com o Ronald McDonald, o boneco-síntese de toda essa desgraça. Também terão à mão, em troca apenas de um punhado de reais, batata padrão McDonald. Sempre quentinha e com sabor papelão.

Haverá sanduíches McIsso, McAquilo... Quarteirão. E um traiçoeiro McDiaFeliz.

Socorro-me do Dicionário Michaellis para garantir a precisão - Desgosto: 1 Ausência de gosto ou prazer. 2 Desprazer, mágoa, pesar, sentimento. 3 Aversão, desagrado, descontentamento, repugnância. Pl: desgostos (ô). Antôn: prazer, contentamento. É isso que me invade neste momento: desgosto.

Então me lembro do tijolo de leite de seu Joaquim Patrício, dos caldos de caridade de Raimunda Brasileiro (dona Mundinha) no mercado velho da Rua Santos Dumont, do filhós de Marlene e família que ainda hoje pontificam na Praça da Sé, da merenda de Maria Passarinha do pirão do Pau do Guarda... Coisas nossas. Tapioca quentinha com manteiga-da-terra. Paçoca bem pilada com cebola roxa. A rapadura, o alfenim. Salvemos que ainda resta e que, como diz o dicionário "tem valor real"!


Por último, recorro novamente ao Michaellis - junk food: 1 alimento rico em calorias de baixo valor nutritivo, mas fácil e rápido de preparar. 2 sl algo que é agradável ou atraente, mas que tem pouco valor real. Os grifos são meus. 


PS. Agora me deu vontade de chupar uma manga espada até o caroço ficar branco!