
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu.
Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem,
estão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco
nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor,
uma liberdade
no peito.
Alberto Caeiro
Hoje é 123º aniversário de um gênio. Por isso compartilho este poema, que é muito belo e diz um pouco de mim, também ovelha tresmalhada no meio do mundo. Hoje tenho três cordeiros para apascentar. Não só de pão, mas também de carinho e proteção (e uma palmada ou outra, quando precisar).
Adoro o Fernando Pessoa e adoro ainda mais a capacidade dele com seus 123 anos, de me emocionar hoje e continuar sendo o diferencial na poesia, enquanto tantos versejam. Este poema do Pastor Amoroso, entretanto, diz de mim como se fosse um autobiografia e quando, às vezes, me perco no mundo das ruindades e dores da solidão, fecho os olhos e me imagino como ele: quando os abro é como se tudo tivesse sido imaginado e todas as dores por mais que tenham doído fossem imaginárias diante da vastidão do universo. Beijo meu amigo das datas.
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