
Era eu muito jovem e chato como costumam ser os muitos jovens e chatos irrequietos. Esse meu sentimento foi reformado em parte. Em parte. Continuo achando a leitura mais importante. Continuo de ouvidos atentos às histórias do povo. Atento ao que, na Academia, chamam de ‘oralidade’. Pois bem. Muito do que encontrei nos livros, eu já havia vivenciado no dia-a-dia do sertão nos tempos de infância e juventude.
Disse em texto anterior como conheci Patativa, os Aniceto, Espedito Seleiro, Pedro Bandeira (cantador), Chiquim Eugênio (reisado). Foi na rua, na feira do Crato. Depois, muito depois, ao ver um deles na prateleira de uma livraria ou biblioteca, na capa de uma revista, em horário nobre na tevê, eu era (sou) tomado por um orgulho tímido, que curto sozinho, pleno de felicidade. Dessa forma, leitura e saber popular se misturaram em mim.
Luís da Câmara Cascudo nos legou obras geniais. Dentre elas, a tradução de “Travels in Brazil”. Trata-se de livro do anglo-português Henry koster publicado em Londres, em 1816. Koster passou 11 anos percorrendo o sertão nordestino a partir de 1809. Depois enfeixou suas impressões em livro. “Antes dele, nenhum estrangeiro atravessara o sertão do Nordeste, do recife a Fortaleza, em época de seca, em comboio (...) comendo carne assada, dormindo embaixo de árvores...”, descreve cascudo.
Repare no que vai dizer o viajante sobre os nossos antepassados nordestinos: “Os sertanejos são muito ciumentos e há 10 vezes mais mortes por este motivo do que por qualquer outro”. Machistas desde a origem, portanto. Certamente estará ai uma das mais profundas raízes dessa tragédia chamada machismo.
Segue Koster: “O roubo é pouco conhecido. A terra, nos anos bons, é toda fértil, impossibilitando a necessidade que justificaria a tentação criminosa, e nas más colheitas todos sofrem igualmente a penúria. (...) Os sertanejos são corajosos, sinceros, generosos e hospitaleiros. Entretanto, em negócio de gado, ou qualquer outro, o caráter muda. Procurarão enganar-vos, olhando o sucesso como prova de habilidade, digna de elogio.”
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Ouvi esta história dos mais antigos: “Sujeito tentava vender um belo burro cardão a fazendeiro importante e temido no lugar. Animal belíssimo. Era tardizinha, quase noite. Não se via defeito no bicho. Contudo, o ladino vendedor advertia: ‘Não faço negócios escusos. Repare no defeito, que está à vista.’ O coronel, encantado com o porte e aparência saudável do bicho, que além do mais era mansinho, nem sequer prestou atenção á advertência do vendedor. Comprou e pagou à vista. Pois não é que burro era cego!!”
Duzentos anos depois, nem o machismo nem a sabedoria (astúcia, segundo Suassuna) deixaram a nossa gente. Também continuamos corajosos, sinceros, generosos e hospitaleiros.
E eu tenho cada vez mais a certeza de que a leitura pode proporcionar grandes viagens, emocionantes reencontros.
Henrique, pois a leitura lhe capacitou de uma das características mais lindas de um sertanejo: a capacidade de contar seus causos usando "a melhor" das palavras. Bebo essa lindura em você. Beijos
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