Alguma memória

Aqui vão alguns registros de memória do sertão que há dentro de mim.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Salve, Jorge

O sertanejo é religioso. Católico. Contudo, nos sertões adentro não se dá muito prestígio a São Jorge. A não ser quando se aponta a imagem do santo na Lua, com sua lança a fustigar o dragão. São José, Maria nas suas várias versões, São Sebastião, Santo Antônio, São Francisco, dentre outros têm prestígio infinitamente maior do que o santo guerreiro. O que dizer de Santana, a mãe de Maria, que no Ceará dá nome a duas cidades, uma no Norte, outra no sul do Estado?

Antônio Silvestre arribou do Sertão nos anos 50. Foi pro Rio de Janeiro que nem na canção de João do Vale:  “Mas plantar prá dividir// Não faço mais isso, não.//Eu sou um pobre caboclo,//Ganho a vida na enxada.//O que eu colho é dividido//Com quem não planta nada.//Se assim continuar//vou deixar o//meu sertão,//mesmos os olhos cheios d'água//e com dor no coração.//Vou pro Rio carregar massas//pros pedreiro em construção.

E foi. Lá, com o peito de desterrado, construiu uma bela família. Até que um dia resolveu visitar sua gente, seu torrão. Guardando os ensinamentos e fé católica que herdou dos pais, comprou presentes. Dentre eles, uma bela imagem de São Jorge, padroeiro do capital dos cariocas. Rumou pra casa satisfeito que só mesmo um indultado. Mesmo sabendo que as mesmas estradas que o conduziam ao Sertão o levariam de volta ao degredo.

Presente pra um, presente pra outro. Abraço, choro. A alegria contida como a água nas cabaças (com a licença do poeta H. Dobal).  A imagem de São Jorge foi solenemente entregue na Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, padroeira da aldeia em que nascera. Antônio estava feliz. Unia ali a atual devoção com fé atávica.

Estamos agora no ano de 2010. Minha mãe, em visita a Fortaleza descobre que minha esposa Verônica é fã (acho que fã aqui é mais apropriado do que devota) de São Jorge. Ao ponto de querer botar o nome do santo em um dos nossos filhos. Não deu certo, mas a simpatia pelo guerreiro ficou. Na mesma hora surgiu a história do São Jorge trazido por Antônio do Rio há 50 anos e que estava esquecido numa gaveta qualquer. “Já que ninguém prestigia o santo, ele agora é seu”, prometeu minha velha mãe. E é mesmo.

Hoje a imagem (foto) está no Crato, à espera de um santeiro que irá recuperá-la em Juazeiro do Norte, que é terra de santeiros e de outros artistas geniais. Em breve, São Jorge será entronizado em lugar de destaque na casa do Reino da Sapiranga. Haverá festa. Talvez com direito a bênção e aguardente. E, assim que terminar, ligo pra Antônio Silvestre pra dizer a ele que sua fé está, enfim, no lugar em que merece.


Um comentário:

  1. O Reino da Sapiranga? Mais história entrando em tua casa? Rapaz, tu tá podendo!

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