Foi num desses intervalos famintos que conheci algumas das pessoas mais incríveis da minha infância. Falo dos "chapeados". Muita gente deverá estranhar: chapeado? Eram assim chamados os homens que trabalhavam carregando mercadorias em geral na cabeça. Quase todos pretos. Tinham essa denominação porque eram cadastrados numa associação (ou controlados pela prefeitura) e no alto da testa, num chapéu de couro forrado por dentro para amaciar a dureza da carga, havia um número gravado numa chapa metálica.

Era coisa prosaica: um pedaço de isopor esculpido de forma a parecer um boneco retangular. Na extremidade inferior, um metal colado completava o João-Teimoso. Seu Júlio, para quem cada moeda era parte importante na composição da feira que levaria ou deixaria de levar para a sua numerosa família, aproximou-se e, discretamente, tirou Cr$ 0,50 do bolso e deu de presente o boneco de isopor.
Um alumbramento que só seria superado em emoção muitos anos mais tarde, quando eu tomei cosnciência do tamanho daquele gesto, que era do tamanho de Seu Júlio.
Como não há comigo registros em imagens daquela gente, recorri ao painel "Estivadores", do artista plástico Zenon Bareto, para fazer essa homenagem aos chapeados do tempo de eu menino. E, em especial, a seu Júlio, que me deu de presente o mais valioso brinquedo que já ganhei.
Salve, salve Silvestre, a crônica como expressão da memória, rico acervo das existências. A palavra como artífice do que fomos, somos e seremos. Um grande beijo, meu cronista.
ResponderExcluirEita que maravilha Henrique! Assim você me lasca lembrando da Cantina do Oliveira do meu pai, quando ainda era mercearia! Lá nós tínhamos um chapeado oficial pra entregar as compras da freguesia, era o "seu Luiz 26", onde 26 era o seu número de chapeado. As entregas eram feitas por ele, levando na cabeça em caixotes de madeira, onde vinham mercadorias como Leite Ninho, Neston, óleo de soja e muitas outras mercadorias. Imagina o tanto de árvore que era derrubada pra fazer aqueles caixotes. Tudo vinha em caixa de madeira. Pois é, e "seu Luiz 26" era um cara bacana, tranquilão. Um cara feliz. A gente pagava por entrega e ele ainda ganhava umas gorjetas, pois era um cara muito simpático e educado. Sabia chegar e sair. Atendia as "madamas" do Crato com uma presteza incrível!
ResponderExcluirÉ isso amigo. "90" também foi outra figura folclórica do Crato. Massa sua crônica!
Sucesso sempre camarada!
Meu querido Kranho, você é tudo mesmo e vai ser um puta de um prazer acompanhar a sua vida de outrora aqui. O nosso passado é a melhor explicação dos nossos comos e porques de hoje. Delícia viajar nos seus textos, nas suas histórias, tão únicas, tão leves, tão você. Mil beijos.
ResponderExcluirPense num cantinho bom. Gostei muito do blog. Parabéns!
ResponderExcluirBrinquei demais com esses "joões-teimosos" de isopor. Agora, esse que você ganhou, tem um valor sem tamanho. Quase não cabe no coração.
ResponderExcluirLembro muito de sabonete e feim.
ResponderExcluirenrolado com papel celofane...o joão teimoso que trouxe consigo a generosidade sincera.
ResponderExcluirCacá (esse troço de comentar como acaba usando contas abertas...rs)
Sim, Miguel... no papel celofane. Vc quase me fez chorar agora. Nunca imaginei que mais alguém tivesse isso na lembrança.
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