Alguma memória

Aqui vão alguns registros de memória do sertão que há dentro de mim.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Cristãos novos

Manoel de Castro Filho foi governador do Ceará entre 1982 e 1983. Vice do coronel Virgílio Távora, assumiu o Executivo quando o coronel saiu para o Senado.



Exatamente em 1982 tive meu primeiro contato com a política. Jósio de Alencar Araripe (pai dos Jornalistas Flamínio e Zínia Araripe) e Valmir Farias eram os candidatos do MDB à Prefeitura do Crato. Acredito que contra Ariovaldo Carvalho, capitão do Exército, hoje na reserva. Naquela época só existiam dois partidos políticos: Aliança Renovadora Nacional -Arena (nas versões 1 e 2) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).



Lembro de um comício cujo palanque era um caminhão. Não havia nem uma centena de pessoas a ouvir os discursos (incluídos os bebinhos). Foi defronte à bodega de João Nogueira, também aguerrido oposicionista do Bairro Pinto Madeira (Caixa Dágua). Era João quem guardava as facas dos matutos nos dias em que havia festa no salão da Igreja de São Sebastião, que ficava bem em frente à bodega.



Voltando à política: o lema da campanha da oposição (MDB) dava uma pista da dificuldade de vencer o poderoso esquema governista: “Vai dar Zebra”, numa alusão à zebrinha da Loteria. Fato é que não deu zebra nenhuma, e os “comunistas”, perdemos. Lembra Flamínio: “Os panfletos distribuídos de madrugada nas casas na eleição no Crato diziam que os ‘comunistas’ comiam criancinhas. No máximo elegiam um vereador.”



Anos após o comício, ouvi o então candidato Jósio Araripe lastimar: "Um dia desses eu estava sozinho e cima de um caminhão. Ontem, não tinha lugar pra mim no palanque, lotado de cristãos novos." Com a morte de Tancredo Neves, José Sarney havia assumido a presidência, agora pelo PMDB. E, com ele, uma leva de ‘cristãos novos’.
Na foto acima estou eu a discursar na formatura do ABC de uma turma que não era a minha. É que o governador Manoel de Castro, que não tinha muito o que fazer a não ser empregar parentes no governo, estava presente à solenidade e eu, segundo Madre Feitosa, diretora da escola, era “desenvolto em leitura”.
Agora estamos em 2011, distantes daqueles tempos de ditadura militar, de Lei Falcão e de medo, muito medo. Vivemos o chamado estado democrático de direito há mais de duas décadas. As instituições funcionam e, segundo dizem os especialistas nas folhas de jornais, se aperfeiçoam a cada dia.
O menino desenvolto em leitura hoje escreve uma linha ou outra, aqui e acolá. E ainda espera a zebra que nunca houve, enquanto observa novas e sucessivas ondas de cristãos novos sobre os palanques de sempre.



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