Alguma memória

Aqui vão alguns registros de memória do sertão que há dentro de mim.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Cara de cearense

Cresci ouvindo histórias de familiares, próximos ou distantes, que em busca de vida melhor, emigraram para o Sul e para o Sudeste. Uns foram escapar no Paraná. Outros, no Rio de Janeiro. A maioria, em São Paulo. Teve até uma tia do meu pai que fez fortuna em Sampa como dona de salão de beleza de bacanas, nos Jardins, região nobre da paulicéia. Contudo, a maioria apenas remediou-se, escapando das agruras da vida na roça.  

Vi a recente polêmica causada pela senhora que, pensando xingar um crítico de cinema, disse que o rapaz tinha “cara de cearense”. Fiquei intrigado. Fui atrás das opiniões e daquilo que costumamos chamar de “repercussão na web”. Tem opinião pra todo gosto. E pra todo mau gosto também. Umas inteligentes, outras burras, muitas grosseiras. Tenho cara de cearense. E daí?

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Peço socorro a Darcy Ribeiro, na sua tentativa apaixonada de “tornar compreensível” o Povo Brasileiro: “Foi desindianizando o índio, desafricanizando o negro, deseuropeizando o europeu e fundindo suas heranças culturais que nos fizemos. Somos, em consequência, um povo síntese, mestiço na carne e na alma, orgulhoso de si mesmo, porque entre nós a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Um povo sem peias que nos atenham a qualquer servidão, desafiado a florescer, finalmente, como uma civilização nova, autônoma e melhor.”

Segue o mestre Darcy:  “Novo (o povo brasileiro) porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiça, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos. (...)Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros. (os grifos são meus)

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Pois bem. Voltando aos meus velhos parentes emigrados, lembro a história contada pelos mais velhos, a título de anedota:

Cearense recém-chegado a São Paulo, matuto como o quê, não se deu com a privada. Foi procurar, na venda do bairro, um bom e velho penico para se remediar. Afinal de contas aquela borda fria de louça empatava qualquer serviço.  

Encabulado, chegou sem saber como falar com o senhor de finos modos do outro lado do balcão. Diante da dificuldade, chamou o sujeito a um canto e falou-lhe ao ouvido. O vendedor, pra tirar um sarro do cabeça-chata, falou a plenos pulmões, a fim de que todos os presentes ouvissem: “Traz um cearense aqui pro paraíba”.

O matuto ficou sem graça, enquanto os ‘sulistas’ riam e diziam pilhérias. Ao sair, passando pelo balconista que ria junto dos fregueses, disse, batendo no fundo do penico: “Esse cabe uns quatro paulista gordo.”

Darcy Ribeiro escreveu uma bela obra tentando nos desvendar a alma. Mas, essa coisa de INvolução tem produzido uma gente cada vez mais diferenciada. Diferenciada como aqueles quatro que o paraíba depositou no vaso de ágata.

Um comentário:

  1. Pois é... e como é ter cara de cearense?
    É ter cara da gente que ajuda carregar o Brasil nas costas?
    Ou é ter cara de ladrão do Banco Central?
    Sinceramente não sei...
    Mas dane-se quem souber também.
    Não temos mesmo uma única cara, graças a Deus.
    Tenho cara de cearense sim, afinal é isso que sou.
    Só não sou do Cariri, mas sou de Caucaia!

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