Alguma memória

Aqui vão alguns registros de memória do sertão que há dentro de mim.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Café amargo

Não sou cinéfilo. Nunca fui. Mas sei apreciar um bom filme. Nada de dar nome a atores menos conhecidos, diretores que não sejam os mais badalados ou, mais ainda, a coadjuvantes e técnicas cinematográficas. Mas sei reconhecer um bom filme. Pra isso, basta uma dose mínima de sensibilidade e algum bom gosto.

Minha curva de crescimento é inversamente proporcional à curva do cinema nacional. A cidade em que nasci e cresci perdeu as três salas de exibição quando eu era ainda um garoto. Antes de fechar, ficou apenas pornografia, nacional ou ianque. A exceção eram os filmes de Renato Aragão e companhia. Outra, mas ai já foi um golpe de sorte, foi o filme “O Beijo da Mulher Aranha”, que assisti no Cassino Sul Americano, no Crato.

Quando arribei de casa em fins de 1986 a coisa não havia mudado. Contudo, Brasília tem no cinema uma forte opção de lazer. Foi lá que vi um dos filmes mais incríveis da minha vida de poucos filmes incríveis (genial mesmo é a vida real, sem manipulações, releituras ou técnicas de luz). Trata-se de Bagdá Café, um título alemão de 1987.

A bem da verdade, sem auxílio do oráculo Google não saberia citar o nome nem de elenco nem de diretores. Exceção para o canastrão Jack Palace, que está ótimo no papel de um pintor (uma metáfora do artista que enxerga luz onde os demais só vêm desgraças). O filme: http://en.wikipedia.org/wiki/Bagdad_Caf%C3%A9

Lembrarei, isso sim, para sempre, da força dramática do encontro de duas mulheres pertencentes a dois mundos diferentes e com dores tão iguais. Uma alemã largada pelo marido no meio Deserto do Mojave chega a um posto/hotel de beira de estrada e encontra uma negra sofrida que expulsara o marido cabra-ruim de casa. O choque as transforma.  

 E transforma também o lugar, que ganha cores, luzes e sons. Ganha vida. Então chega a “imigração” e, num anticlímax, expulsa a alemã gordinha de volta ao seu país. O lugar volta a decair. Ao ponto de um dia um caminhoneiro perguntar: “Onde está a mágica?” E ouvir da preta a seguinte resposta: “A mágica acabou. ” (A mala da alemã tinha sido trocada na viagem. Ela ‘ganhou de presente’  um kit de mágica e passou a usá-lo para animar o lugar).

No último sábado, quando soube do diabetes do meu filho caçula, me senti assim: com a sensação de que a mágica acabara.

Mas a alemã voltou. Desta vez com visto e toda a papelada necessária para viver na América. A mágica então ressurgiu.

Desde o sábado, Isaac passou a nos dar, diariamente, pequenas lições magia. Da mágica de ser feliz adoçando nossas vidas mesmo vivendo sem doce.

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