Alguma memória

Aqui vão alguns registros de memória do sertão que há dentro de mim.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Matança de porco

A matança do porco é um dos dias mais especiais da tradição rural alentejana. É um dia de festa, um dia “bem comido e bebido”! Muitas famílias do mundo rural criam o seu porco durante meses, e chegado o inverno procedem ao seu abate.

O texto acima foi retirado da página eletrônica do Museu Municipal de Estremoz, região do Alentejo, Portugal (http://museuestremoz.blogspot.com/2010/01/peca-do-mes-matanca-do-porco_20.html) e me surpreendeu pela semelhança com tudo o que vivi na minha infância.

Galinhas, ovelhas, porcos faziam parte da rotina de menino de sítio. O abate desse animais também. As galinhas eram (e ainda são) as mais comuns. Não há como contar as vezes que segurei no pescoço da penosa para colher o sangue destinado à cabidela, que se chamava “molho pardo” naquele tempo.

Pelo porte do animal e pelo escândalo que patrocinam na hora do abate, foram os porcos que me marcaram mais fortemente. A matança ocorria sempre num domingo, bem cedinho. Era preciso aproveitar a folga do meu pai, que trabalhava até no sábado. Quando acordava, a água já estava borbulhando no fogo de lenha e “os ferros” já estavam amolados. Para tranqulizar o bicho, fazíamos cócegas nos vazios (próximo à barriga).

Em seguida vinha a pancada entre os olhos e a facada na jugular. O sangue jorrava forte e era preciso mexer para não coalhar. Os gritos do bicho iam diminuindo na medida em que a vasilha se tingia de rubro. Estava garantido o chouriço. 

Depois de pelado, era preciso pendurar o bicho de cabeça pra baixo, pelos mocotós. A barriga era então aberta com cuidado para não se danificar o fato. Lavar as vísceras era tarefa de mulher. Nessa hora, eu me encarregava de levar miúdos para a cozinha.

Terminado o serviço, era hora lavar o local para evitar moscas.  Depois, esperar uma linguiça caseira, um guisado, ou um pernil na brasa. 

Da matança alentejana, só não herdamos a tradição do vinho, providencialmente substituído por uma boa cachacinha.

Ah, a palavra “alguidar”, ainda hoje é usada comumente lá em casa, junto com muitos outros termos igualmente herdados do português antigo. Mas essa já outra história.

5 comentários:

  1. Agora fui bem longe. Eu me lembro bem dos porcos rosados, enormes e barulhentos à espera do abate. Mas a imagem mais marcante é dos bois e carneiros pendurados de cabeça pra baixo, sangrando, com meu avô do lado, faca em punho. Depois vinham os panelões no fogão à lenha, cabeça do carneiro servida pros homens e os buchos sendo preenchidos e costurados pelas mulheres. E depois de tudo a meninada fazia a festa comendo tijolinho.

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  2. Lembro de, ao lado de minha mãe, encher linguiça de madrugadinha. Não tem Sadia ou Perdigão tão gostosa.E o chouriço, nunca mais tive notícia.

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  3. Prazer receber você aqui, Luciano.

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  4. Ave, Henrique. Em algumas coisas - muito maisque esse caso - vale é prazeiroso ser mulher e mais nova dos filhos. Sempre ouvi esse barulho todinho, do bicho gritando de madrugada, mas graças a Deus nunca participei efetivamente do fato. Nã! As galinhas criadas no quintal, quando a mamãe matava eu não comia em consideração à bichinha, porque me apegava.

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  5. Eri, no sertão não dá pra ter esse tipo de apego.

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