Alguma memória

Aqui vão alguns registros de memória do sertão que há dentro de mim.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Ave poesia

Eloi Teles de Moraes - esse senhor bonachão ai da foto - é um dos maiores brasileiros que tive o prazer de conhecer. Radialista, "Seu Eloia" como chamavam os matutos foi um grande incentivador da cultura popular. Todas as manhãs, quando íamos para escola, escutava no rádio do jipe do meu pai o programa "Coisas do Meu Sertão".

Seu Elói declamava Patativa, José Hélder França, Catulo da Paixão Cearense, Zé Laurentino, Zé Limeira (o Poeta do Absurdo), Zé da Luz e muitos outros. Fechando os olhos posso ouvir a vinheta do programa nesse exato momento. O gorjeio de pássaros...
De tardezinha, era a hora do programa "Forró da Casa Grande". Luiz Gonzaga, Trio Nortista, Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, que começava... Não se falava sequer em forró pé-de-serra (é que não existia outro).

Era seu Elói o quem garantia o palco aos grupos de pífanos (bandas cabaçais), de reisados, maneiro-pau, repentistas durante a exposição do Crato, que não se chamava “Expocrato” e não era pasteurizada, sem sertanejos, axé, nem forró de plástico.

A foto acima é de Pachelly Jamacaru, copiada do bom sítio http://festivalcariridacancao.blogspot.com/ A seguir, reproduzo um dos poemas que adoçavam minhas manhãs infantis:

 MATUTO NO FUTIBÓ
(Zé Laurentino)

Hoje o pessoá do mato
já tá se civilizando
já tem rapaz estudando
p´ras bandas da capitá
já tem moça que namora
com o imbigo de fora
ediceta coisa e tá.

Mas essas coisas eu estranho
me dano e não acompanho
a tá civilização
até que a morte me mate
nunca eu fui numa boate
nunca vi televisão.

E este tá de cinema
eu num sei nem cuma é
se é home ou se é mulé
se vem da Lua ou do Só
um triato eu nunca vi
e também nunca assisti
um jogo de futibó.

É isso mesmo patrão
eu nasci p´ra ser matuto
viver que nem bicho bruto
dando de cumê a gado
eu só acho que sou gente
pruque um véi meu parente
disse que eu sou batizado.

Mais pru arte dos pecados
um fí de cumpade Chico
o fazendeiro mais rico
dali daquele arredó
cum preguiça de estudar
inventou de inventá
um jogo de futibó.

E no paito da fazenda
mandou botar duas barra
e eu fui assitir a farra
do lote de vagabundo
mas quando eu vi afroxei
e acredite que achei
a coisa mió do mundo.

Eu caboco lazarino
com doi metro de artura
os bracos dessa grossura
medo p´ra mim é sulipa
de jogar tive o parpite
e aceitei logo o convite
prumode jogar de quipa.

Me dero um calção listrado
e um pá de jueieira
também um pá de chuteira,
uma camisa de gola
e eu gritei arra diabo
eu já peguei touro brabo
e segurei pelo rabo
porque não pego uma bola?

Sei que o jogo começou
o juiz bom e honesto
p´ra começar era Ernesto
o nome do apitadô
que metido a justiceiro
prumode o jogo pará
bastava a gente chutar
a cara de um companheiro.

Bola vai e bola vem
um tá de Zé Paraíba
inventou de dá uns driba
no fí de Chica Brejeira
esse deu uma rasteira
que o pobre do matuto
passou uns cinco minuto
enrolando na poeira.

O juiz mandou chutá
uma bola contra eu
pruque o meu fubeque deu
um coice no Honorato
aí o juiz errou
pois se o fubeque chutou
ele que pagasse o pato.

Mais afiná meu patrão
não gosto de confusão
mandei o cabra chutá
fiquei esperando o choque
tanta força a bola vinha
que vinha pequenininha
que nem bala de bodoque.

E quando eu fui pegá a bola
me atrapaei meu patrão
passou pru entre meus braço
bateu numa região
que foi batendo eu caindo
espulinhando no chão.

O povo bateu em riba
Me dero um chá de Jalapa
uns treis copos de garapa
mai um chá de Quixabeira
esperei uma melhora
joguei a chuteira fora
e sai batendo a poeira.

E desse dia p´ra cá
nem mode ganhar dinheiro
não jogo mais de goleiro
nem com chuva nem com só
nem aqui nem no deserto
nunca mais passo nem perto
de um campo de futibó.


PS – O nome deste blog é mais do que uma remissão ao programa de Seu Elói. É uma homenagem. (post reproduzido, com alterações do meu perfil no Facebook).

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