Alguma memória

Aqui vão alguns registros de memória do sertão que há dentro de mim.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Amanda Régis sempre houve

Sai do Cariri aos 18 anos, em meados dos anos 1980. Brasília era o destino. Mais de 30 horas batendo dentro de um ônibus. A grana pouca foi costurada por minha mãe num bolso de calça. À mão, alguns trocados para merenda. Não queria sair, mas tinha de sair.


No Planalto Central procurava em toda parte algo que me remetesse ao torrão natal. Lembro da emoção de ver, na gôndola de uma livraria da Rodoferroviária, o Cante Lá, que eu Canto Cá, de Patativa do Assaré. Com o coração apertado folheei o livro lentamente, como à procura de algo, procura de mim mesmo talvez.
Custeado por uma tia altruísta, fazia cursinho num dos principais colégios do DF. Foi ali que encontrei Amanda Régis. Claro que não a mesma moça que, via twitter, expôs ontem, a estupidez de muitos. Sim, pois há muitas Amandas. Sempre houve.

Na escola candanga, dentre várias pessoas bacanas, de vários estados brasileiros, uma gaúcha era a amanda (assim mesmo, minúsculo, pois Amanda aqui vira adjetivo). Filha de militar transferido a serviço para BSB, ela execrava o Nordeste e os nordestinos. Éramos, no entender da moça, recém-saída da adolescência, o motivo do atraso da Nação.

Lembro de teimas intermináveis. Os argumentos dela eram amandianos, é claro. Mas, num dia qualquer, o bate-boca pendeu para o campo das artes. Ela, sempre arrogante, tascou: “Quando o Nordeste irá dar ao Brasil uma Elis Regina? Quando dará uma canção do quilate de “Como Nossos Pais (era a música da vida da moça)”. Ai eu entrei com os dois pés, numa voadora na altura do pescoço: “Êpa!! Perai que essa música é de um cabeção nascido e criado no sertão do Ceará. Chama-se Belchior. E é apenas mais um dos bons artistas que temos por lá”. Nocaute.

Esse texto é dedicado a todos os que sofreram ou sofrem qualquer tipo de preconceito. E às amandasrégis bem-nascidas, que se acham superiores e reproduzem preconceitos como fizeram os seus pais.


2 comentários:

  1. Muito bem colocado, Henrique! Eu sou carioca, flamenguista, mas fui criada no Nordeste, abraçada pelo povo nordestino, tudo o que tenho na vida foi o nosso Ceará que me deu: profissão, formação, marido e filha. Tenho orgulho de me chamar de nordestina, de ter o sotaque arrastado como o desse meu povo. E é isso. Somos tudo de bom!

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  2. Que belíssimo texto, parabéns amigo! Estou sem palavras para descrever sobre tanta coisa escrito em tampoucas linhas!

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